quarta-feira, 29 de abril de 2009

Viagens de um coronel ausente

Do alto da minha farda, olho todas aquelas criaturas tristes e mal vestidas que viajam até onde aquele reles pedaço de papel azul as possa levar.
Vão calados e circunspectos. Gostava de lhes entrar na mente, mas tenho receio do que poderei encontrar.
Será melhor apreciar a paisagem que vai passando a um ritmo alucinante, pois o meu cérebro sente-se confuso com a mudança de um horizonte outrora bem mais belo. Só os rios continuam nos seus leitos, mantendo o trajecto sinuoso de antigamente.
No regresso, já cansado de caminhadas incessantes sem rumo definido, volto a mais uma viagem percorrendo novamente a rota em direcção a sul.
As personagens mudaram, mas continuam agonizantes e desesperadas como se de um exército derrotado se tratasse.
Começo a pôr em causa as minhas próprias convicções, ao constatar esta demência generalizada que se apoderou deste povo a que pertenci.
- Que é feito das merendas especialmente preparadas para uma viagem de comboio que já não o é?
- Do riso dos outros que me contagiavam como uma epidemia de boa disposição?
- Das longas paragens em apeadeiros obsoletos, mas não menos importantes, as quais aproveitava para cumprimentar o guarda-freios que discutia com a mulher enquanto levantava a bandeira para que a composição avançasse?
- Aonde pára o mendigo com o seu acordeão já desgastado pelo tempo infinito de sons por ele reproduzidos?
É urgente que volte para de onde vim, este mundo já não é o meu.

1 comentário:

  1. Melhor texto teu que li até hoje. Costumam ser bons, este é "primus inter pares".
    Parabéns

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